quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Correr correndo (Parte II)


Correr cansa. Correr cansa mesmo quando você não corre. E tem muita gente que corre parada. Corre porque tem pressa, está tomada pela urgência, enlouquecida pela rapidez, alucinada pelos prazos, pelo tempo, pelas obrigações ou pelo simples costume de fazer tudo correndo – mesmo que esteja sentado.

Já reparou como vivemos apressados? Andamos com pressa, comemos com pressa, vamos ao cinema com pressa, vamos desfrutar do lazer com pressa, beijamos com pressa, amamos com pressa, fazemos tudo com pressa. Até corremos com pressa!

Ontem eu fui correr no parque. Mas ontem tomei uma decisão: vou imobilizar a pressa. Amarreia-a numa árvore e deixei-a agonizando até que ela sucumbisse à inexistência. Dei uma volta de bike, outra correndo (daquele jeito que você já sabe!). Correndo, andando, correndo, andando, correndo, andando. E em meio a tudo isso, ia olhando os rostos, o andar das pessoas, os movimentos dos braços, pernas, mãos, troncos. Tem gente que corre de um jeito engraçado (ainda bem que eu não passo na frente de nenhum espelho, nem das janelas do Museu Afro ou da Bienal - mas se passasse morreria de rir daquele cara que fica olhando para mim toda vez que eu olho para ele, sujeitinho abusado!). Após cinqüenta (olha o trema aí!!! e quem foi que disse que ele era inútil!?) minutos resolvi pegar minha bike e me dirigir como quem pedala num domingo à tarde até o lago. Encontrei um banco vazio, liguei meu iPod (não, meu tocador de mp3 – afinal a Apple não está me dando um centavo para fazer esse merchandising)... Como eu dizia, peguei meu (ah... tocador de mp3 é demais pra mim!)... Voltando, então... Encontrei um banco vazio, coloquei os fones de ouvido, “botei” uma música pra tocar e me deitei no banco. Meus olhos contemplavam o céu cinzento do fim de tarde do horário de verão. Eram 19h53! As pequenas folhas da árvore logo na parte superior do meu campo visual bailavam leves no ritmo gostoso do vento. Os tons, apesar de cinzentos no céu, eram belos. De vez em quando um pássaro voava lá no alto. A música me distraía dos sons das pessoas que passavam correndo, falando, frenéticas ao meu lado. Não as via, nem as ouvia. Ouvia a música. Não apenas a musica que os fones despejavam nos meus ouvidos, mas a música que o vento tocava em meu rosto. Viro para o lado e vejo o lago. Está cinzento, combinando com o céu. Nas árvores, algumas aves já se recolheram e, empoleiradas, esperam o cair da noite e o silenciar dos sons. Em terra firme, próximos à água, patos se reúnem em assembléia para tomar as decisões concernentes aos próximos acontecimentos. E eu nem tenho idéia do que discutem. É coisa de pato! E em negócio de pato, eu não meto o bico. Aos poucos fui me enchendo de paz. A música contribuía para a sensação de alegria. Que privilégio pensar que a poucos metros dali há trânsito, buzinas, pressa, o ritmo acelerado da cidade que não pára. Mas eu estava parado. Parado junto ao lago, à árvore, ao céu, aos patos e pássaros. Parado no tempo. Não estava mais correndo. Consegui parar. Como é bom parar. Parar é preciso. Aquele momento era como oásis em meio ao caos. Aquele momento não foi propiciado por nenhum outro fator exceto o freio que acionei contrariando meu acelerador interno. Pare! Chega de pressa! Chega de correr correndo. Na pressa de ir embora, quase perco o espetáculo que estava passando à beira do lago. Nada demais. Apenas a vida da maneira como deveria ser.

Penso que não deveríamos correr tanto. Não é apenas a cidade que nos desumaniza. Somos nós mesmos. Entramos numa corrida contra o tempo, que no fundo é uma corrida contra nós mesmos. E desperdiçamos o belo, desperdiçamos o tempo, desperdiçamos a vida, tentando viver não como quem vive, mas como quem corre. Não só como quem corre, mas como quem não pára nunca!

Agora me assento e contemplo os prédios ao longe fazendo de conta que não é São Paulo. É qualquer outro lugar. É interior. É vida pacata. É a possibilidade de re-viver sem que o tempo seja um algoz a me perseguir. Levanto-me para observar a reunião dos patos e logo noto uma imensidão de pequenas florzinhas em forma de lampadinhas de natal vermelhas e brancas. A vegetação se estende ostentando aquelas pequenas lâmpadas criadas pela natureza, vermelhas e brancas, pequenas e finas, mas fortes! Lindas. Dou um passo em direção à pista e quem avisto?! Um beija-flor. Ele também estava encantado com as pequenas flores em forma de lampadinhas de natal. E beija a muitas delas em seu vôo incomparável. Fiquei ali, completamente tomado por aquele instante. Em meio à cidade, uma explosão de natureza, de vida e de beleza, pronta para ser vista, pronta para ser celebrada e percebida por quem tem o dom de parar! Após alguns beijos o beija-flor finalmente se vai, permitindo assim minha despedida daquele instante eterno. Internamente, eu ria. Era como se eu e a o Criador houvéssemos conspirado juntos criando aquele momento. Senti-me presenteado. Subi na magrela e deixei aquele quadro pintado em minha memória, eternizado nas fotografias da minha lembrança, clicados num instante de prazer e privilégio.

Aprendi que quem corre correndo não chega a lugar algum. É preciso parar. Correr também é preciso. Mas é preciso parar e contemplar a vida que corre devagar, em seu próprio ritmo, ocultando belezas sem fim dos que não tem tempo para parar de correr. Mas que se esmera em revelar aos audaciosos que param a riqueza de sua beleza escondida no tempo, descortinada a quem se atreve a parar e contemplar o fluir da vida.

São 20h02 e nem sequer 10 minutos se passaram. E eu achei que havia visitado a eternidade...

2 comentários:

  1. Gostei muitissimo, me animou a deixar a preguiça e a correria de lado e me disciplinar para conhecer lugares novos e apreciar as boas oportunidades que Deus nos concede.

    C.M.F.

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  2. Ao iniciar a leitura estava correndo sentada...
    Obrigada por essa mensagem Divina, pois terminei sem correr, desfrutando com você das maravilhas de Deus.
    Vimo

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