quinta-feira, 18 de março de 2010

Pedras no caminho


Andando pelo caminho encontro uma pedra.
Uma pedra no caminho.
No meu caminho.
No caminho que deveria fluir livre, sem obstáculos, nem impedimentos.
Mas há uma pedra. A pedra no caminho.
No meu caminho.

Andando pelo caminho sinto uma pedra.
Ela não está no caminho.
Mas dificulta o meu caminhar. É intrusa em meu sapato.
No meu sapato.
E me dificulta.
A pedra que eu sinto ao andar pelo caminho.
O meu caminho.

Andando pelo caminho avisto uma pedra.
Uma pedra no caminho.
No meu caminho.
E decido sentar-me.
Uma pedra que transformo em banco de onde observo outras pedras que modificam meu curso pelo caminho.
Pelo meu caminho.

Não sou bom de poesia! Prefiro a prosa. Prefiro o fluir do texto sem ter de me preocupar muito com métrica, rima, regras e, principalmente, com a criatividade e coerência poética. Deixo a poesia para os poetas. Por outro lado, penso que a vida é um poema. É poema que vai sendo escrito e recitado o tempo todo.

Estava na praia. Perambulava errante e despreocupado. Já era noite em Santos. Chego ao Emissário, uma plataforma que se projeta por quatrocentos metros desde a praia rumo ao mar. Estava repleto de gente: famílias andando, adolescentes fazendo acrobacias na pista de skate, outros namorando, grupos de jovens conversando, enfim, havia uma grande agitação no local. O Emissário é rodeado por pedras. Encontrei uma que fosse confortável e me assentei. De onde eu estava podia observar o mar que se estendia desde aquele ponto, ao lado da ilhota Urubuqueçaba, que fica bem ao lado do Emissário, até a Ilha Porchat, lá longe. A praia estava iluminada. Mas o que realmente me chamava a atenção era o movimento das águas e da maré. Poucas horas atrás eu andara perto da ilhota que podia ser alcançada a pé, pela areia. Agora ela já estava a mais de 100 metros distante da areia seca, pois as águas já haviam avançado bastante em seu movimento de vai e vem. Vai e vem, vai e vem, vai e vem... Um ritmo gracioso, como se fosse uma dança, ou o respirar de um corpo autônomo que decide expandir-se e abraçar toda a areia que puder alcançar. As ondas iam se formando e quebravam na praia. Lembrei-me de que, quando criança, soube da inauguração da primeira piscina com ondas do Brasil. Ficava em Brasília e eu sonhava conhecer aquilo. Imagine! Uma piscina com ondas!!! Depois de grande, finalmente conheci uma piscina com ondas num parque aquático. Não era o de Brasília, mas tinha ondas. E quão grande foi o meu tédio depois de alguns minutos, ao perceber que todas as ondas eram exatamente iguais e vinham exatamente na mesma freqüência em intervalos absolutamente regulares e previsíveis, categorizando que aquilo não era nem mar, nem piscina! Faltava areia no pé, sal na água e, principalmente a beleza da suposta aleatoriedade e criatividade das ondas do mar. Imprevisíveis em sua exatidão. Tal como a vida!

Ah, a vida! Vida esta que me levou a sentar numa das muitas pedras, contemplando o mar a dançar. Fico fascinado pelo barulho da água. Gosto dos sons que a água produz. Não havia apenas o som das ondas que quebravam na praia, havia mais. As ondas em formação iam ferindo as pedras e produzindo novos sons de água a cada instante, com diversas intensidades e ritmos. De repente me dei conta de que aqueles sons só eram possíveis graças às pedras. Ao bater nas pedras o mar entoava suas canções, fazendo música para acompanhar sua dança. Se eu fosse um dos compositores dos Salmos da antigüidade, escreveria que os mares cantavam em louvor ao Criador! Na verdade, quem se encontrava assim era eu mesmo, tamanha a beleza e singularidade daquele momento. No vai e vem do volume crescente de águas da noite, batendo nas pedras, fazendo música para acompanhar a dança das águas, presenteando-me com seu espetáculo exclusivo. Na cidade litorânea de Zadar, na Croácia, um trabalho arquitetônico-musical fantástico soube aproveitar as ondas e as pedras para construir um órgão que é tocado pelo mar. Ao atingir os degraus de pedra a água produz sons aleatórios e magníficos que são ouvidos por orifícios, como se fosse um órgão de tubos!

Quantas não são as vezes em que encontramos pedras em nosso caminho. Algumas impossíveis de serem removidas. Deparamo-nos com elas. Ferimo-nos. Elas nos atrapalham, causam incômodo. Gostaríamos de não encontrá-las. Mas elas surgem. Sempre. Contudo, se não fossem as pedras, o mar não tocaria suas melodias. Dançaria mudo. Preencheria de beleza os meus olhos, mas não os meus ouvidos. Teria de contar apenas com as ondas que eventualmente quebram na praia. Mas há dias em que mesmo estas são escassas e débeis. As pedras no caminho do mar faziam toda a diferença. Dos obstáculos o mar tirou sons, melodias. E mais! Não se limitando à beleza das ondas, ao bater nas pedras as águas faziam extraordinárias evoluções de espuma branca, explosões de água em forma de boniteza ferindo as pedras que não se moveriam de lá. As pedras no caminho do mar lhe acrescentaram melodias e gestos em sua dança graciosa.

Há pedras em nosso caminho que não podem ser removidas. Estas nos desafiam a transformá-las de inimigas em aliadas. Já que não sairão, elas podem gerar o novo em nós. Podem nos fazer cantar, podem extrair sons e expressões de beleza de nossos movimentos. Tal como o movimento do mar beijando as pedras, podemos deixar que elas nos transformem em algo melhor, mais belo, mais rítmico, mais interessante.Tal como o mar que se torna ainda mais rico e formoso ao enfrentar as pedras que lhe obstruem o avanço rumo à praia. Na verdade, são as pedras do caminho que nos fazem reagir, crescer, modificar, criar, amadurecer e produzir beleza. Beleza que, muitas vezes, nasce da dor, mas nem por isso, torna-se triste.

No meu caminho há uma pedra.
E eu quero me assentar sobre ela, deixar o mar bater, cantar, dançar, extraindo sons e beleza. Beleza que nasce da pedra.
Beleza para a vida.
Pra viver de forma bela.
Graças à pedra.
No meu caminho.


(Para conhecer o orgão marítimo de Zadar, copie o link
e cole em seu navegador
www.youtube.com/watch?v=pQ9qX8lcaBQ&feature=related )