
Logo no início do filme uma advertência que normalmente vemos só no final do filme, nos créditos: “Apesar das coincidências com a vida real, os personagens deste filme são fictícios”. É... o filme começa bem, deixando o espectador atento para a constatação da realidade que o filme espelha. E é isso que torna Tropa de Elite 2 ainda mais bombástico e desolador do que seu antecessor.
Se em Tropa de Elite 1, Padilha mostrou como os burguesinhos das classes média e alta dão sustentação ao problema do tráfico de drogas nos morros cariocas, em Tropa 2 ele vai responsabilizar Brasília, enquanto mãe de toda a política brasileira, como a produtora e mantenedora da corrupção que rouba e desola o povo brasileiro – que, diria eu, é totalmente conivente, na medida em que vota em quem o rouba.

Em entrevista concedida à Folha de São Paulo no dia 17 de setembro (página E8), Padilha conta que todo o seu trabalho é fruto de muita pesquisa: “‘Não tenho criatividade para inventar histórias do nada’, explica. ‘O que eu sei fazer é pesquisar, pesquisar, pesquisar, aí bolar uma história para representar o que vi e embutir uma crônica social.’” Confesso que eu preferia acreditar que Padilha é um louco, um psicopata, ou cheirado que tem uma imaginação fantástica. Mas, infelizmente, o que o filme mostra é a expressão mais crua e nua da realidade que nos cerca, nos violenta e nos manipula – sem que, muitas vezes, percebamos.
A violência explícita do filme não é nada, frente à violência moral à qual somos submetidos e subjugados por políticos corruptos e corruptores aos quais servimos, muitas vezes sem nos dar conta. Se você se sentir chocado com o linguajar do filme, deverá reservar espaço para se chocar muito mais com o descaso com o qual políticos e polícia tratam o povo ao qual deveriam servir.
Em meio a esse caos tupiniquim, destaca-se o herói, igualmente tupiniquim, o Capitão Nascimento. Esse herói totalmente verde e amarelo é o nosso ideal, ao mesmo tempo em que é a projeção de nós mesmos. Contraditório, violento, com atitudes das quais se envergonha é, paradoxalmente justo e incorruptível. O Capitão Nascimento é o grande herói nacional porque ele se tem a coragem de abrir a boca e apontar o dedo diante de todos os corruptos que se beneficiam do sistema (máquina governamental) para usufruir de benesses pessoais oprimindo, dominando, matando, calando, mentindo e fazendo o que bem entendem em benefício próprio. Ao abrir a boca e denunciar os corruptos, Nascimento mostra que está disposto a ir até as últimas consequências a fim de desmascarar o sistema, mesmo correndo riscos, mesmo colocando sua cabeça a prêmio. Sua atuação é heróica mas também denuncia nossa acomodação diante do que passa diante dos nossos olhos, pois simplesmente nos acostumamos com a miséria humana, seja esta vestida de pobreza ou de corrupção. Diante dela, calamo-nos e nos omitimos – e, portanto, somos coniventes e acabamos por contribuir para a mesma.
Almejamos o bem comum, a dignidade humana, o fim da corrupção – mas não fazemos muito para mudar o quadro. Nascimento faz, mesmo que isso lhe custe caro. Quem será o nosso herói nacional fora das telas?

Padilha tem uma visão científica da vida, de acordo com sua entrevista à Folha. Vê a política brasileira como resultado do processo evolutivo darwiniano, no qual as regras de seleção definem as características das pessoas selecionadas e, no Brasil, as regras favorecem os corruptos e desonestos. Sendo que não crê em Deus, tudo o que lhe resta é a visão científica da vida, com a qual percebe e desmascara a realidade com coragem e autenticidade. Seja em seu discurso pessoal, seja encarnado na brutalidade heróica do Capitão Nascimento, Padilha acaba por exercer uma função profética segundo os padrões da profecia bíblica do Antigo Testamento, que não fazia previsões, mas denunciava o erro, a injustiça e a inverdade, diante de quem quer que fosse. Assim, os profetas eram os anti-heróis que tinham a coragem de sair da acomodação. Sem querer, Padilha é um profeta contemporâneo – quem tem olhos e ouvidos, que veja e ouça.